O fenômeno gaslighting, nome advinto de uma peça de 1938, diz respeito à uma forma específica de abuso da mulher - a alienação do senso de realidade. Acontece assim: em um casal (outras relações também sofrem disso!), quando a mulher se queixa, é porque é exigente demais. Incomoda-se com flerte, ciumenta demais. Demanda atenção, carente demais. Quer conversar, chata demais. Resumindo: é louca.
Quem nunca ouviu que "mulher é tudo louca"?
Assim, não é necessário entrar no mérito e passar pelo processo socrático de tese, antitese e síntese. Um dos dois já ganha na largada.
Isso porque, em nossa cultura machista, já foi decidido: mulher é tudo louca.
Uma mulher que cresce ouvindo isso (desde pequena, quando não tem chance de se defender emocionalmente) acaba passando pelo processo que a psicologia chama de 'introjeção': traz para dentro de si, e toma como seu. Realmente passa a pensar isso. O mecanismo em si não é saudável ou doente, mas uma pessoinha não tem muita chance de avaliar o que é bom ou ruim de tornar seu e 'si'.
Não é rara tal situação no consultório. Uma mulher vem, solicitada pela familia. A crise: está 'louca'. Leia-se: em conflito com a submissão de sempre. A familia entende que está mal e quer a servil esposa (ou mamãe) de volta. Saúde é tingida de doença. Não é demorado que perceba-se saudável e que está, sim, em pleno contato com a realidade. O difícil é manter-se assim frente à pressão e desconforto arremessados em sua direção.
É uma pena dizer, mas não há muita esperança que essa situação seja modificada holisticamente na cultura ou pelos homens. É necessário que, com terapia, amizades, reflexão, a mulher finque o pé em sua saúde mental. Só tendo certeza da própria razão se torna imune dessa covarde manipulação.
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